Fui tomar a quarta dose da vacina, feliz da vida. A vacina tava vencida, dei um google rápido e vi que, na verdade, ela ta com o prazo de validade estendido. Sim, a moça da UBS me disse isso e eu traduzi no mesmo minuto como ‘VENCIDA’ dentro da minha cabeça. Mas assim, eu canso de comer coisa vencida, usar shampoo vencido… Não vai ser de um mês pro outro que vai parar de fazer efeito uma vacina, né? É, espero que não. Enfim… li brevemente sobre isso e me vacinei. Consultei minha amiga farmacêutica, ela me tranquilizou. Acho que vou sobreviver. Se não, esse pode ser meu último texto.
BRINCADEIRA, MÃE, PELO AMOR DO AMOR.
Voltando pra casa, passei por ruas que eu nunca tinha passado num ‘dia normal’. Só a Julia do carnaval tinha andado por ali. E andado muito, diga-se de passagem. E é uma coisa que eu não fazia muito antes de me mudar: resolver as coisas a pé. Talvez porque eu morasse em um lugar que pra resolver alguma coisa eu tinha que me deslocar consideravelmente, mas também, porque eu adquiri esse novo hábito agora. To vivendo o bairro, bem cafona. Me deixa.
Lembrei do carnaval lá de 2020 que eu tava 100% disposta. Bloco todo dia, imunizada com muita skol beats e corote quente. Andava 30km por dia, xixi na rua (foi mal), salvei uma vida (é verdade, um menino derreteu do meu lado, mas esse pode ser um papinho pra outra hora - aqui a gente pode até abrir uma looonga conversa sobre ajudar um desconhecido, mas fica pra próxima), entre tantas outras coisas.
E a Julia-do-carnaval se permite um monte. E nem to falando de baixaria, não. Até porque, eu sou bem da nojenta e morro de medo de beijar uma boquinha gorfada. E outra, naquela época eu não tava tão Julia assim, como minha mãe disse outro dia e eu achei lindão. A Julia de hoje ta mais segura de si e fazendo mais o que tem vontade, com quem tem vontade, quando dá vontade. Enfim…
E quanto mais eu, eu fico, mais eu percebo que tem uma categoria muito específica de gente que me acha ‘doidinha’. E não, eu não sou doidinha. Eu sou bem responsável e bem pé no chão. Eu sou engraçada, expansiva e inteligente. E normalmente quem não acompanha me acha doidinha. E não, eu repito: eu não sou doidinha.
Quando alguém me acha doidinha, eu sinto que 1, ou ela não sabe nenhum outro adjetivo por uma limitação de vocabulário mesmo ou 2, ela só quer me diminuir à uma pessoa excêntrica porque eu to fora do padrão dela. E assim, não acho que ser excêntrica é ser diminuída, mas nesse caso, é isso que querem fazer. É mostrar que fora daquela caixinha eu to ocupando um espaço muito esquisito. E o que é esquisito, afinal?
‘Ela fala o que ela pensa’, ‘ela fala muita besteira’, ‘ela não para de falar’. Ai, como a voz do outro quando mais articulada e coerente que a sua incomoda, né? E aí, eu sou doidinha pra quem se incomoda comigo. E o doidinha vem disfarçado de gracinha, de brincadeira, de elogio. E quanto elogio disfarçado a gente não recebe todos os dias, né? ‘Até que para XXX você é bem XXX’ - eu poderia completar essas lacunas com muitas coisas e tenho certeza que você também. Por que as pessoas precisam ter a opinião delas sobre a gente colocadas no mundo o tempo todo?
Meu avô falava que se você não tem nada bom pra falar, fique quieto. E ninguém fica, principalmente com a distância da internet, que ta cada vez mais indo pro offline. ‘Você viu como ela engordou?’, ‘e essa roupa?’, ‘cortou o cabelo, ficou uó’. Às vezes é na DM, às vezes é pro mundo todo ver. Hoje em dia, eu sinto que as pessoas discutem mais o impacto que os comentários, principalmente sobre o corpo alheio, têm na vida de quem os recebe. Mas, ainda assim, sempre tem um pra só dar a opinião.
Outro dia na academia eu entrei num fluxo doido de pensamentos e aí, me distanciei e percebi o que eu tava pensando. Quase que uma prática meditativa, tenho tentado fazer mais isso pra não ser engolida pelo vespeiro que é minha cabeça. Eu tava fazendo aula de bike, quase morrendo pois me recuperando da cistite. E pensando que se eu ficasse a semana toda sem comer doce, talvez a aula fizesse algum efeito. Depois que eu pensei, me distanciei do pensamento e entendi onde minha cabeça tava me levando, eu fiquei puta comigo mesma. Essa é aquela menina que nunca gostou do corpo, tudo de novo. Aquela menina que ainda sente que nada vai ter valor se o corpo não mudar. E eu sou tanta coisa que nunca vai caber só no meu corpo.
Mas eu preciso me lembrar disso. Todos os dias. É um saco, mas é importante. To indo pra academia e vem o mantra: faço isso porque me amo e não porque me odeio. Ta ficando mais fácil, mas ainda não é totalmente natural. A culpa ta sempre ali, que nem um fantasma que insiste em aparecer mesmo quando eu acho que to com esse mesmo corpo fechado. E talvez o perdão seja a forma de exorcizar isso da minha vida. É preciso se perdoar e fazer disso um exercício diário, mais um, na lista de todos os outros que já temos. E perdoar também quem fala tanta bobagem, mas sem precisar abaixar a cabeça. Só depois fui ver que a Stela também falou disso.
Nesses dias eu gosto mais e mais de ter feito uma triagem na minha vida. E acho que isso sim foi muito natural. Quanto mais Julia 2022 eu sou, menos Julia versões passadas eu atraio, em mim e nos outros. A gente vai se reinventando e somando força pra não se deixar sabotar. Se unindo com quem ta na mesma pegada. A Julia do carnaval ta cada vez mais no meu dia a dia e a Julia insegura, às vezes vem, mas ta cada dia com menos espaço.
Talvez por tudo isso eu tenha tomado uma vacina vencida: ou eu sou doidinha mesmo ou eu to tão segura que me sinto imortal.
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Gostou? Então manda esse texto pra quem toma vacina e acredita na ciência, hein?
Bonito demais poder conhecer partes dessa Julia que não é doidinha e transborda segurança ❤