Outro dia, depois de muuuito tempo, fui acompanhar um evento presencial. Peguei muito trânsito. Trânsito de um jeito que eu tava desacostumada a pegar. Coisa de 2h pra andar nem 10km… no meio do caminho, minha bexiguinha de hamster gritou: EU VOU EXPLODIR.
A cada curva que o uber fazia, eu tinha a certeza de que ía fazer xixi na calça. Cruza a perna pra um lado, pro outro, e a agonia só aumentando. Olhei no waze, AINDA FALTAVAM 24 MINUTOS PRA CHEGAR. Não deu. Muito sem graça, pedi pro moço parar. ‘Mas aqui só tem uns botequinhos muito sujos’, ‘não me importaaaaaaaaaaaaa!!’. Eu já tava no limite. Deu tudo certo, sempre dá. Desci, fiz meu xixi usando toda a força adquirida no pilates pra não tocar em nenhuma superfície daquele banheiro e o dia seguiu.
Talvez, se eu tivesse demorado menos pra pedir, eu poderia ter feito xixi num lugar mais decente, é verdade. E daí, eu parto pro meu papinho de hoje: você reclama quando seu prato vem errado no restaurante? Quando um garçom te trata mal e depois o gerente te pergunta ‘como foi seu jantar’, você responde ‘AI FOI ÓTIMO’. Quando alguém te pede desculpas por uma grosseria que você ainda não ta pronto pra desculpar, você responde ‘tudo bem, acontece’? SEJAM MUITO BEM-VINDES AO PLANETA DOS MOSCA MORTA.
Tá, exagerei. Peço perdão se alguém se ofendeu. Mas eu tenho percebido quanto sapo desnecessário a gente engole só pra não precisar se indispor. E aí, seguindo meu raciocíonio da outra semana, resolver tudo o tempo todo é cansativo e eu também sou super a favor de escolher as batalhas, não to falando de sair brigando e discutindo o tempo todo. Além disso, nem tudo precisa ser dito… Mas, assim, por que eu só não pedi pra fazer xixi antes?
Tem dias que eu me abro, me rasgo, me exponho. Sem medo, sem vergonha, sem pudor. Tem os dias que eu transformo tudo em assunto, tudo em risada, tudo em papinho. Tudo vira causo, tudo vira motivo pra eu chamar a atenção pra mim, pra eu controlar a narrativa, pra eu ir costurando meu interlocutor dentro do que eu quero que ele saiba sobre mim. E quanto mais eu me exponho, mais eu vejo que é só pra controlar a réplica. Toda essa exposição, na verdade, é medo de me sentir exposta e vulnerável. Sim, ela é contraditória, ela. E talvez esteja falando na terceira pessoa me pra distanciar.
É quase que uma síndrome de Faustão, de Galvão Bueno, de Tata Werneck (e essa última é uma opinião impopular minha). Falar até atropelar o outro pra não deixar que ele organize os pensamentos e não te questione daquilo que você não quer responder. Quantas e quantas vezes eu já fiz isso? Várias. Eu gosto de ser gostada. Eu gosto de entregar o que as pessoas esperam de mim. ‘A Julia é muito engraçada, você vai adorar ela’, como que eu vou entregar menos carisma do que já foi prometido?
‘Conta daquela vez que você brigou na fila da Disney!’, ‘Conta daquela vez que você bebeu demais e caiu no corredor da sua casa!’, ‘Conta daquela vez que o cara te bateu com o travesseiro durante um vôo’. Eu já tenho um repertório pra conhecer gente nova. Ou pra interagir com quem eu tenho menos intimidade. Pra alguns, pode parecer que eu to me expondo, mas na verdade, é tudo friamente calculado. Quem me conhece de verdade sabe que o buraco é beeeeeeem mais embaixo.
Uma coisa que eu percebo é que eu odeio o climão e é muito difícil eu abrir as minhas dores pros outros justamente por isso. Só de pensar naquela cara de ‘é, que foda’ da outra pessoa, já me arrepia inteira. Em contrapartida, se você abrir uma dor pra mim, eu vou sofrer junto com você. Que doido, né?
É muito comum eu estar num lugar e sentir que o clima ta esquisito e chamar toda a atenção pra mim, pra tentar reverter aquilo, tentar salvar, de alguma forma. E eu to tentando entender na terapia isso. Por que eu acho que essa é uma responsabilidade minha? Eu não posso simplesmente deixar que todo mundo se entenda, como adultos que são?
Meus amigos casaram - um casamento lindo, diga-se de passagem - e eu fui madrinha. Como madrinha ponta firme que eu sou e provando que ser madrinha é um job perene, fiquei com os dois cachorros deles durante a lua de mel. Eles estão aqui no meu pé, enquanto eu escrevo esse texto. A Bere é bem fofa, o Joca também, porém não pode deixar um segundo sem supervisão. Vim pra casa da minha mãe pra eles brincarem com a minha cachorra. Ele ta feliz, ela ta incomodada. Eu não liguei. Eles se entendem. Todo mundo se entende. Eu não preciso lidar com os problemas do mundo o tempo todo. Aposto que o motorista do uber ía entender precisar parar 5 minutinhos…
Há quem pense que eu to sempre falando demais, abrindo o jogo demais, me expondo demais. Mas o que realmente importa, eu demoro muito pra entregar. Apesar de sentir muito, eu to aprendendo só agora a falar mais sobre isso.
E quero falar cada vez mais, porque deixar tudo dentro de mim faz mal. Inclusive, to com cistite por ter segurado tanto.
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Manda esse texto pra quem também precisa abrir mais o coração.
Maravilhosa 🤍