Bom dia. Cheguei à conclusão de que devemos ser mais parecidos com meu vizinho. Às quintas-feiras, ao meio-dia, ele canta ópera. Primeiro aquece a voz. Depois começa um outro tipo de aquecimento que dura em média meia hora e consiste em várias variações de como cantar a mesma música em diferentes tons e depois segue para uma música específica que imagino que seja seu solo. Toda quinta eu me animo. Ele me dá força para seguir o dia. Porque ele usa a voz dele. Ele me mostra que se a sua vontade for cantar ópera às quintas, que seja e prossiga. Cante. A cada “grito” ele me lembra que somos seres únicos colocados dentro de casas e apartamentos esmagados um em cima do outro, mas que temos nossos desejos. Um em cima do outro. E há uma mania sistemática de dizer para que fiquemos quietos para não atrapalhar. Não sei se é necessário explicar aqui, mas escrevo de maneira ficcional. Falo de outra coisa. Das vontades de dentro. Que para o meu vizinho talvez seja não deixar a vontade de cantar ópera morrer esmagada pelo vizinho de cima (que provavelmente não se anima tanto quanto eu). Essas vontades que temos e que a cada dia o concreto, o real, o trabalho, o sistema, o que for, nos dizem que para que avancemos, nossas próprias vontades, nossas crianças, devem crescer. Enrijecer. Enriquecer. Esquecem do florescer, do brotar e vão direto ao colher.
Uma chatice é instaurada. Saímos a noite a fim de encontrar outras vontades, outros vivos e humanos e encontramos montes de frustração e tentativas de transparecer um certo entendimento do que foi pedido. O pedido foi crescer e aqui estou, veja como sou bem-sucedido e bem tratado e veja também como sou calmo em relação a isso. Mas a minha dúvida é: para onde foi nossa ópera? Onde é que gritamos?
Eu sei que dessas perguntas muitas respostas podem surgir. Muitas defesas e desculpas e muitas culpas e culpados – porque sim há aqueles que são culpados por isso. Mas penso que é também necessário cultivar raiva e indignação até que lentamente o caminho de volta ao que é nosso e original fique mais fácil.
Por isso, faço um apelo: sejamos mais como meu vizinho. Há espaço para óperas pequenas, médias e grandes. Há espaço para elas de segunda a sexta ou aos finais de semana. Há espaço, pois apesar da realidade que insiste em dizer para deixarmos as óperas para depois, há ainda aqueles que às quintas, ao meio-dia, iniciam sua preparação vocal e confrontam e chacoalham as estruturas enrijecidas dos prédios da cidade grande até que alguém os ouça.
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