Eu lembro de uma conversa que eu tive há uns meses e me falaram sobre uma dívida de cartão de crédito. Coisa de vários dígitos, mas que não tava se importando muito. Na hora eu pensei que eu estaria sem dormir, mas é mentira. Porque eu sempre penso que trabalho e pago. Mas é uma corrida sem fim pra preencher algo que não ta sendo preenchido ou que eu to tentando preencher do jeito errado.
É, eu sou mão aberta, a arqui-inimiga do consultor financeiro. E sim, to falando de dentro da minha bolha, que não preciso sofrer pra pagar a conta de gás no final do mês. Não que esteja sobrando, mas rola consciência de classe, pode deixar. O que eu comecei foi questionar quando essa relação de consumo começou se tornar algo só pra preencher um vazio existencial. Ou pra tamponar (como minha psicóloga me explicou hoje) um buraco pra eu nem sentir alguma dor naquele momento.
“Eu to cansada”. É desse jeito que eu começo quase todas as minhas sessões de terapia. E não é um privilégio meu, ta todo mundo cansado. Tem muita coisa exaustiva rolando e a gente começa a buscar prazer pra fugir da loucura. Tamo num mundo instantâneo. Do like, do match, da compra rápida com entrega no mesmo dia. Quer? Ta ali. É… Será que tamo virando uma geração que não sabe lidar com frustração porque ta tudo na palma da mão? Sim, estamos. E nem vou me aprofundar muito no conceito, mas trazer o impacto que isso ta tendo na minha vida. E talvez você se identifique.
Pesei o clima, né?
Eu to eternamente insatisfeita e isso é um saco. Eu comprei a ideia de ‘evoluir constantemente’ e transformei isso em numa corrida doida que a linha de chegada ta longe de aparecer no horizonte. E o pior, eu entrei numa lógica consumista maluca que transforma a frustração que eu sinto em lookinho novo. To bonita? To. Mas endividada.
Continuo repetindo pra mim mesma que EU ACHO QUE EU MEREÇO. E eu realmente mereço. A questão é outra: EU PRECISO? Eu vivo me recompensando por não estar satisfeita, comprando coisas, comidinhas, mimos. O capitalismo venceu? Eu nem culpa sinto… agora to culpada por não ter culpa. Que doido. Mas não é só no material, é na experiência, no sentimento, na emoção… tamo sempre buscando o próximo ou já pensando no sofrimento sem nem antes aproveitar a parte boa.
Fé nas ansiosas.
Me lembro de passar tardes e tardes na casa de um amiga fazendo uma vidinha perfeita no The Sims. Depois, veio o Pinterest. E fala, que delícia que é fazer uma pastinha com tudo que você não tem dinheiro pra comprar. E claro, ele, Relâmpago Markinhos inundando a gente de anúncios pensados nos nossos gostos. O grande agravante é que agora eu tenho meu próprio dinheiro. É cada brusinha que eu fico bonita, uma botinha pra combinar, um teninho fofo… Ave, eu fico maluca.
Montando a casa vem de tudo. Quadro, tapete, vaso, copo, toalha… com cachorro? Tem cada coisa linda que eu vou enchendo carrinho atrás de carrinho. E a conta não fecha, nem financeira nem a de satisfação. Ainda não é o suficiente.
Eu to, ultimamente mais do que antes, com uma sensação que eu to sempre correndo atrás de uma coisa que eu nem sei se um dia eu vou alcançar. Ser promovida, morar sozinha, ter cachorro, comprar plantas. Check check check check. Que mais? Eu conquisto um, pensando no próximo. E com isso, eu nem me dou muito tempo de celebrar a conquista atual. É só a liberação do prazer instantâneo que mesmo que tenha sido suado pra conquistar o resultado, a euforia dura pouco. Cada vez menos…
Eu sei que a Stela quando bater os olhos nesse texto, já vai levantar a plaquinha “INTERVENÇÃO”. Não só ela, na real… tem muito papinher aqui que me conhece e sabe que eu gasto bem. A verdade é que se eu quero e se eu posso (nem sempre), eu compro. Outra coisa é: eu sou uma grande entusiasta da terceirização de algumas coisas. Primeiro porque eu não sou talentosa pra trabalhos manuais, segundo porque eu não tenho saco pra algumas burocracias, tipo declaração de imposto de renda. Então, de nada Paulo Guedes, eu to gerando empregos aqui.
A mesma amiga que jogava The Sims comigo deve ta pensando no livro ‘O Poder do Agora’. Nunca fui desse tipo de leitura, mas é sintomático que estejamos todos assim. É mais um episódio, mais um like, mais uma brusinha, mais uma begônia, mais uma cachorra… e troca o carro, corta o cabelo, faz outra tatuagem, outro match. Rola o app do Mercado Livre antes de dormir, sempre tem alguma coisa que eu to precisando, né?
S E M P R E T E M .
Não to vivendo agora, to ali no próximo. Sempre. Aqui e ali e em lugar nenhum. E olha que contraditório: ao mesmo tempo, não to pensando lá na frente… To querendo resolver algo instantaneamente. As contas eu dou um jeito depois. É problema da Julia de amanhã. Mas se eu to sempre no amanhã, não deveria ser meu problema de agora? É ‘De volta para o futuro’ com ‘Psicose’ e ‘Fragmentado’. To assim… bagunçada.
Fé nas ansiosas.
Naquela mesmo dia, a pessoa que não tava preocupada com a dívida do cartão de crédito tava preocupada com outra coisa. O Batman agora é o Robert Pattinson… é, prioridades, né? O cartão vem arrebentando, mas não estraguem as melhores lembranças da infância com o super-herói favorito. O oposto da ansiedade é a nostalgia? Voltar pra um lugar seguro é o único jeito de estar satisfeito já que é uma realidade que não dá pra mudar?
No final, é isso que importa. Cada um com a sua anestesia/tamponamento.
Na lógica que a gente vive, com o nosso dinheiro valendo cada vez menos, e com as frustrações - que não sabemos lidar - se acumulando, como a gente escapa? Eu cancelei um dos cartões. Outra abordagem, mais audaciosa, pode até ser encarar o que eu to escondendo atrás da fatura. Mas e a coragem?
Acho que só de ter consciência disso tudo, to num caminho bom. To buscando encher minha vida de outras coisas. Talvez eu vire a louca das atividades gratuitas. Inclusive, aceito convites.
De novo, to falando isso de dentro da minha bolha. Mas se você estiver nela também, talvez se identifique. E já to tratando isso na terapia, calma…
A dívida daquela pessoa já deve ta astronômica e nem sei se fez com que algum comportamento mudasse. Eu, por outro lado, to tentando entender quem vai ser meu herói agora. Autoconhecimento, maturidade, aprender a encarar frustração? Sei lá… as vezes é só o medo de ir pro Serasa mesmo.
Fé nas ansiosas.
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Compartilha esse texto com quem já acumulou milhas o suficiente pra ir pro Japão! (e se conseguiu resgatar, me explica como faz? acho que ía resolver 50% das minhas questões essa viagem)
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Ai amiga, pqp, que texto, como me identifico.
Fé nas ansiosas